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Alexandre Branco-Pereira

Mutirões de saúde em São Paulo encerram o ano com 106 migrantes vacinados

Ações foram co-coordenadas pela Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados, integrante da FENAMI


No último dia 27/11, sábado, foi realizado o 3º Mutirão de Saúde, Ação Social e Direitos Humanos em São Paulo. Este evento, que foi o último de uma série de três ações planejadas para 2021, promoveu o atendimento de 112 migrantes, oferecendo serviços de regularização migratória, assistência jurídica e assistência social. Em parceria com a Unidade Básica de Saúde do território, a UBS Jardim Soares, foram vacinados 33 migrantes contra a Covid-19, sendo 24 primeiras doses, 8 segundas doses e 1 terceira dose.

No total, as três ações realizaram 492 atendimentos distribuídos nos bairros de Lajeado, Cidade Tiradentes e Guaianases. Foram aplicadas 106 vacinas - o que representa 21,5% do público atendido -, sendo 91 primeiras doses (85% do total), 14 segundas doses e 1 terceira dose. Também foi emitido Cartão SUS para muitos imigrantes que ainda não possuíam o documento. A aplicação das vacinas dispensou a apresentação de documentos nacionais ou dentro da data de validade, além de ter dispensado também a apresentação de comprovante de residência em respeito aos paradigmas constitucionais da equidade e da universalidade do Sistema Único de Saúde.

Enfermeira da UBS Jardim Fanganiello vacina migrante no mutirão realizado no CEU Lajeado no dia 11/09. Foto: André Vito / Cruz Vermelha Brasileira

O principal objetivo das iniciativas foi aproximar os serviços da população migrante que vive distante da região central da cidade, onde a maior parte dos serviços são oferecidos. Além disso, no que tange aos serviços de saúde, era preciso responder a denúncias de racismo e de negativa de aplicação de vacinas contra a Covid-19, feitas por imigrantes da região, em razão da exigência de apresentação de documentos, como comprovante de residência e CPF. As ações se orientaram pelo princípio da ação direta, da auto-organização e da articulação em rede diante de uma política ativa de negação de direitos aos imigrantes por parte do Estado.



Ação direta, auto-organização e articulação em rede

A ação direta é um mecanismo de atuação política que prevê a utilização de intervenções imediatas para produzir mudanças desejáveis na sociedade. Assim, ela não descarta os meios indiretos de incidência política (como a eleição de representantes ou a delegação da capacidade de resposta política a terceiros, como parlamentares ou gestores públicos), mas os complementa, em especial diante de cenários de urgência. Tal mecanismo, originalmente vinculado ao anarquismo, foi historicamente utilizado por atores políticos como Malcolm X, Angela Davis, Martin Luther King Jr., Mahatma Gandhi, Carlos Marighella, o Partido dos Panteras Negras, e muitos outros.

Assim, os mutirões se inserem em uma lógica de ação direta, visando a produção de resultados imediatos - garantia de direitos como acesso à justiça, a documentos, à saúde e à vida -, e utilizando a auto-organização (ou seja, autogestão da iniciativa em regime de democracia direta onde todos participam das decisões tomadas) para mobilizar e engajar atores da sociedade civil e convocar agentes de Estado a cumprir seu papel. A partir da mobilização inicial da Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados, da Associação de Mulheres Imigrantes Luz e Vida e do Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas, foram engajadas outras organizações, em uma articulação horizontal em rede.

Espera para atendimento no mutirão realizado na Casa de Cultura de Guaianases, no dia 27/11. Foto: Érika Bütikofer / Coletivo Conviva Diferente

Estiveram presentes a Defensorias Públicas da União e do Estado de São Paulo, o Consulado Boliviano em São Paulo, a Associação de Mulheres Imigrantes Luz y Vida (AMILV), a Associação Nova Alvorada de Apoio ao Imigrante, o Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante Oriana Jara (CRAI Oriana Jara), o projeto de extensão ProMigra (Direito USP), a Cruz Vermelha Brasileira, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, a Missão Paz, o Projeto Ponte (Instituto Sedes Sapientiae), o Grupo Veredas - psicanálise e migração (Psicologia USP), o programa de residência multiprofissional em saúde da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), o Conselho Municipal de Imigrantes, o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), o coletivo Diásporas Africanas, o Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas - Unicamp, o Coletivo Conviva Diferente, o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) e as Unidades Básicas de Saúde Jardim Fanganiello (Lajeado), Nascer do Sol (Cidade Tiradentes) e Jardim Soares (Guaianases).

Equipe da UBS Jardim Soares, de Guaianases, vacinou 33 migrantes na ação do dia 27/11, sendo 24 primeiras doses. Foto: Giselli Domingues / Projeto Ponte Sedes

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Alexandre Branco-Pereira, membro da coordenação da Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados e coordenador da FENAMI, considera a mobilização um sucesso: "É preciso lembrar que ninguém está aqui fazendo caridade, estamos garantindo direitos. Direito de acesso à justiça, à saúde, à vida. Não é uma ação simplesmente assistencial, e ninguém está dando nada para os imigrantes: eles articularam a mobilização, e nós interviemos em conjunto, sem tutela. Por isso, para nós a parceria com a AMILV e outros coletivos de imigrantes foi tão importante"

Alexandre lembra que a Rede já havia articulado um Grupo de Trabalho para pensar os gargalos da vacinação e acesso ao SUS no início de 2021, monitorando os problemas no acesso à imunização por parte de migrantes: "Desde o início do ano, quando a campanha de vacinação contra Covid-19 começou, nós sabíamos que haveria problemas por conta da política de indocumentação dos migrantes, e porque há uma prática ilegal no SUS de exigir a apresentação de determinados documentos que os migrantes têm muita dificuldade de apresentar, como comprovantes de residência e até CPF. O Sistema é universal, e, dessa forma, cobrar documentos brasileiros, ou mesmo documentos dentro da validade, sem estarem vencidos, é inconstitucional. Por muito tempo, o Cartão SUS foi o primeiro documento que os migrantes tinham no Brasil, e hoje já não é mais assim em virtude dessas dificuldades que vêm sendo impostas. Por isso pedimos uma estratégia de promoção de saúde e de vacinação específica para a população migrante".

Andressa Castelli, que também integra a coordenação da Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados, avaliou que os mutirões têm se mostrado iniciativas "de coragem no enfrentamento que fazem ao desamparo" da população migrante. Ela complementa: "A atuação em territórios periféricos que conecta a população aos serviços de assistência aos migrantes, majoritariamente alocados no centro da cidade, é um compromisso com a cidadania real, diretamente relacionada a participação política e ocupação dos espaços da cidade por esses sujeitos. São momentos de reconexão, laço e reconhecimento que fazem frente às negligências, violações e desamparos, organicamente construídos com a presença das lideranças migrantes, o que retoma a migração do ponto de vista da sua potência e não somente de sua vulnerabilidade."

A boliviana Miriam Guarachi, da Associação de Mulheres Luz e Vida (AMILV), lembra que organizar as ações foi um grande desafio. Ainda assim, afirma: "acreditamos que todo esse esforço vai ter um resultado, pois os migrantes atendidos nesses três mutirões estão conseguindo se regularizar, tomaram a vacina, tomaram consciência da importância de saber que o compromisso com os outros é importante. É um trabalho muito comprometido." Também boliviana, Yolanda Cortez acredita que as ações ficam na história da Associação: "Foi um sucesso por ter a participação de muitas pessoas, e demonstrar como os imigrantes precisam de ajuda com regularização e saúde." Ela complementa ressaltando que o fato de que muitos migrantes não terem vacinado com a 1ª dose contra a Covid-19 é algo que precisa ser lembrado: "Observamos que ainda tem gente que ainda não tomou a 1º dose por não terem comprovante de endereço ou outros documentos."

Já Sandra Sabino, Secretária-Executiva de Atenção Básica, Especialidades e Vigilância Sanitária da Prefeitura de São Paulo, afirmou que "a Secretaria Municipal De Saúde de São Paulo tem como foco principal no controle da pandemia a expansão da vacinação contra a Covid-19, e vê como ações extremamente importantes os mutirões para vacinação dos migrantes, ampliando a cobertura vacinal e a proteção individual e coletiva." Por fim, Karina Quintanilha, que coordena o Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas, destaca que por meio de reuniões mensais com a Associação de Mulheres Imigrantes Luz e Vida (AMILV), realizadas no âmbito de um projeto de extensão vinculado à Unicamp que visava o desenvolvimento de redes sociotécnicas entre universidades e associações de migrantes, foram identificadas uma série de violações de direitos entre migrantes moradores das periferias da cidade: "Migrantes sem conseguir o direito à vacina por exigências arbitrárias de documentos brasileiros, sem regularização migratória, em condições precárias de trabalho e moradia, não raro sem nenhum apoio de cestas básicas e/ou auxílio emergencial e muitas barreiras para o acesso à saúde que passam pelo racismo estrutural da nossa sociedade. "

Foi aí que a parceria entre Rede, AMILV e Fronteiras Cruzadas surgiu: "A partir do levantamento dessas demandas, conversamos com a Rede de Cuidados em Saúde de Imigrantes e Refugiados, que já vinha pautando a questão da vacinação de migrantes, sobre a possibilidade de organizarmos o mutirão com a AMILV na região da zona leste. Foi uma ação muito importante que desloca a visão assistencialista no trabalho com imigrantes e demonstra a força coletiva da atuação em rede para cobrar do Estado que vacinas e direitos sejam garantidos para os/as trabalhadores/as imigrantes periféricos."

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